O bullying escolar é uma realidade que afeta profundamente o bem-estar e o desenvolvimento de muitas crianças e adolescentes. Ele não se limita a agressões físicas, mas também inclui humilhações, exclusões e manipulações que podem deixar marcas emocionais duradouras. Saber como agir diante dessa situação é essencial para proteger nossos filhos e ajudá-los a superar esse desafio.
Emmanuelle Piquet, uma das maiores especialistas no mundo em sofrimento escolar e autora de múltiplos livros compartilha estratégias valiosas para lidar com o bullying de forma eficaz e respeitosa e inspira muito a minha prática clínica.
Com base em sua experiência como terapeuta e fundadora dos centros Chagrin Scolaire, onde atende 6.000 crianças vítimas de bullying por ano, ela nos ensina que, mais do que intervir diretamente, é fundamental empoderar nossos filhos para que eles possam enfrentar essas situações com confiança e autonomia.
1. Respeite o Consentimento do Seu Filho
Quando uma criança revela que está sendo vítima de bullying, a primeira reação dos pais é querer intervir imediatamente. É natural que, movidos pelo amor e pela preocupação, os pais queiram resolver o problema o mais rápido possível. No entanto, agir sem o consentimento da criança pode piorar a situação, fazendo com que ela se sinta ainda mais desamparada e sem controle sobre o que está acontecendo.
Em vez disso, mostre que você está ao lado dela e diga algo como:
“Eu não farei nada sem o seu acordo.
Vamos encontrar juntos a melhor solução.”
Essa abordagem respeita a autonomia da criança e reconhece que ela, mais do que ninguém, entende as dinâmicas do que está acontecendo. Crianças vítimas de bullying são extremamente observadoras, pois precisam estar atentas para se proteger. Ignorar suas percepções e competências pode ser desrespeitoso e ineficaz.
Além disso, muitas vezes as intervenções dos adultos, mesmo bem-intencionadas, podem agravar o problema. Por exemplo, confrontar os agressores ou seus pais sem o consentimento da criança pode aumentar a exposição dela ao conflito e até intensificar o bullying. Por isso, é essencial que qualquer ação seja tomada em conjunto com a criança, respeitando suas opiniões e sentimentos.
2. Reconheça Seu Filho Como Vítima, Mas Também Como Competente
É fundamental validar as emoções do seu filho, reconhecendo sua dor, tristeza e medo. Diga a ele que você entende o quanto a situação é difícil e que está ao lado dele para oferecer apoio. Algumas frases podem fazer toda a diferença, como
“Eu sei que isso é muito difícil para você, e estou aqui para te ajudar”.
No entanto, também é importante reforçar que ele tem habilidades e recursos para lidar com o problema. O combustível do bullying é da dor da vítima. O agressor percebe a vulnerabilidade e a utiliza como combustível para continuar. Por isso, o objetivo é “mudar o desconforto de lado”, ou seja, fazer com que o agressor perceba que não terá mais poder sobre a criança.
Isso pode ser feito por meio de estratégias que fortaleçam a postura, a confiança e a capacidade de resposta do seu filho. Por exemplo, ensinar respostas assertivas ou formas de ignorar provocações pode ajudar a desarmar o agressor e interromper o ciclo de abuso. É importante que a criança perceba que, mesmo sendo vítima, ela tem o poder de reagir e mudar a dinâmica da situação.
3. Evite Intervir Diretamente nas Relações
Embora seja tentador falar com os agressores, seus pais ou até mesmo com a escola, essa abordagem pode ser contraproducente. Muitas vezes, essas intervenções não levam em conta as dinâmicas complexas das relações entre crianças e podem até agravar a situação. Além disso, ao intervir diretamente, os pais podem passar a mensagem implícita de que a criança não é capaz de lidar com o problema sozinha, o que pode minar sua autoestima.
Em vez disso, ajude seu filho a desenvolver ferramentas para lidar com as relações por conta própria. Isso não apenas fortalece sua autoestima, mas também ensina habilidades importantes para a vida adulta, onde ele poderá enfrentar situações difíceis de forma mais autônoma. Não podemos decidir como devem ser as relações dos nossos filhos, mas podemos ajudá-los a aprender a gerenciá-las.
4. Bons Sentimentos Não São Suficientes
Soluções simbólicas, como os famosos “bancos da amizade”, podem parecer bem-intencionadas, mas muitas vezes isolam ainda mais a criança. Essas iniciativas, embora criadas com boas intenções, não resolvem o problema na raiz. Em vez disso, é mais eficaz ensinar respostas práticas e assertivas que ajudem seu filho a resistir ao bullying.
Por exemplo, uma resposta confiante ou uma mudança de postura pode desarmar o agressor e interromper o ciclo de abuso. O que realmente faz diferença é dar à criança ferramentas para resistir, em vez de apenas suportar o bullying.
Ensinar a criança a responder de forma criativa e assertiva pode mudar completamente a dinâmica da relação com o agressor.
5. Ensine a Gerenciar Relações Difíceis
O bullying não é algo que desaparece com o fim da escola. Comportamentos tóxicos podem surgir no trabalho, em relacionamentos e em outros contextos da vida adulta. Ensinar seu filho a lidar com essas situações desde cedo é um aprendizado valioso. Às vezes, fugir de uma relação é necessário, mas em outras ocasiões, é possível transformá-la em algo mais equilibrado e saudável.
Além disso, ao ensinar a criança a resistir, você também está ajudando o agressor a aprender que suas ações têm consequências. Uma vítima que resiste ensina ao agressor que o bullying não é uma fonte de poder, mas um comportamento que pode ser desafiado. Esse aprendizado é essencial não apenas para a vítima, mas também para o agressor, que pode começar a repensar suas atitudes.
O bullying escolar é um problema complexo, mas com as estratégias certas, é possível ajudar seu filho a enfrentá-lo de forma eficaz. Respeitar o consentimento da criança, reconhecer suas competências, evitar intervenções diretas e ensinar ferramentas práticas são passos fundamentais para transformar essa experiência em um aprendizado de resiliência.
Uma vítima pode resistir, e isso é um aprendizado essencial, tanto para ela quanto para o agressor. Ao ouvir, apoiar e fortalecer seu filho ou sua filha, você estará lhe ajudando a superar essa experiência e a crescer mais confiante e preparado para os desafios da vida.
Lembre-se: o papel dos pais não é resolver todos os problemas, mas dar aos filhos as ferramentas para que eles possam enfrentá-los com coragem e autonomia.