Ah, se eu soubesse… — Empreender também é saúde mental

Juliette Berguet fundadora do coletivo Baob-Brussels

Ontem fui assistir à palestra “Ah se eu soubesse…” promovida pela Partena e pelo Cercle de Wallonie-Bruxelles na EPHEC, e confesso que não esperava sair de lá com um nó na garganta. A proposta era simples: dois empreendedores, dentre eles o grande chefe chocolateiro Pierre Marcolini, compartilhando aprendizados que gostariam de ter ouvido antes de começar. Mas bastou a primeira pergunta — “Qual foi a primeira ‘tapa na cara’ que você levou na vida como empreendedor?” — para o silêncio da sala se encher de algo muito maior. Juliette Berguet, fundadora da Baob Brussels ASBL, pegou o microfone, respirou fundo e respondeu com uma honestidade que atravessou todos nós: “A saúde.” Essa foi a primeira “claque” — o primeiro golpe — que ela recebeu no caminho do empreendedorismo.

Quando o corpo impõe uma pausa Juliette contou que, pouco tempo depois de se lançar como empreendedora, foi diagnosticada com câncer de mama. Tinha uma filha pequena, um projeto nascendo, e de repente tudo o que ela havia construído parecia ruir. Mas o que mais me marcou não foi a parte da doença — foi o que veio depois. Porque Juliette sobreviveu. Concluiu o tratamento. Quis retomar o trabalho. E aí percebeu que sobreviver não era o mesmo que voltar à vida. Descobriu que, para quem passou por um câncer, o “depois” pode ser ainda mais desafiador: falta apoio, compreensão, e sobretudo, espaço para recomeçar profissionalmente com dignidade.

 

Nasce a Baob Brussels

Foi dessa lacuna — e dessa dor — que nasceu a Baob Brussels, uma associação que ajuda pessoas em remissão de câncer (ou outras doenças graves) a reconstruírem suas vidas e carreiras. Juliette criou a ONG não a partir de um plano de negócios, mas de uma necessidade visceral: a de transformar o sofrimento em serviço, a solidão em rede, a vulnerabilidade em força coletiva. Hoje, a ONG oferece acompanhamento psicológico, oficinas, coaching profissional e grupos de partilha. Mas mais do que isso, oferece um lugar de pertencimento — um espaço onde se pode dizer “ainda estou cansada”, “tenho medo”, “não sou mais a mesma” — e ser acolhida por quem entende.

 

O que o empreendedorismo não te conta

Durante a palestra, Juliette falou com delicadeza sobre algo que raramente aparece nos discursos sobre sucesso: o corpo. O corpo que adoece, que cansa, que precisa de cuidado. O corpo que é também o motor do nosso trabalho, e que muitas vezes é ignorado em nome da produtividade. Ela lembrou que empreender é criar, sim, mas também sustentar — e que essa sustentação começa pela própria saúde. Disse que, se soubesse antes, teria se escutado mais, pedido ajuda antes, respeitado o tempo do corpo como parte do processo, não como obstáculo.

 

Um lembrete que ficou ecoando

Saí da palestra pensando em quantas vezes a gente romantiza o “dar conta de tudo”. Quantas vezes adoecemos tentando provar que somos fortes, que conseguimos, que é só mais uma fase. Juliette não falou de resiliência no sentido heroico — falou de limites, de realismo, de cuidado mútuo. E, no fim, talvez seja isso o verdadeiro sentido de empreender: não construir algo apesar da vida, mas junto com ela.

Para quem está recomeçando

Se você já enfrentou uma doença, uma perda, ou simplesmente um cansaço que te fez parar, saiba que recomeçar também é empreender. E que existem lugares que acreditam nesse recomeço, mesmo quando ele é lento, imperfeito e cheio de dúvidas. Porque, como Juliette nos mostrou naquela noite, o empreendedorismo mais bonito nasce não da força, mas da vulnerabilidade que se recusa a desistir.

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Camila

Eylenbosch

Psicólogo(a), Psicoterapeuta, Consultor(a) em relacionamentos, Mediador(a), Coordenador(a) de pais